“Brasil deixou neutralidade e passou a fazer jogo de Israel, diz embaixador” – nesta entrevista a Talita Marchao, publicada nesta terça-feira (2) no portal UOL, o embaixador Marcos Azambuja, que foi secretário-geral do Itamaraty sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1990 e 1992, é taxativo: a visita de Jair Bolsonaro a Israel ocorre num momento inadequado.
Marcos Azambuja considera Israel um grande parceiro brasileiro, mas a visita acontece dias antes das eleições em Israel, marcadas para o próximo dia 9, e nela o anfitrião, Benjamin Netanyahu corre o risco de perder seu mandato: recentemente ele foi acusado de fraude, abuso de poder e corrupção.
O diplomata e conselheiro emérito do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) critica a posição que o Itamaraty assumiu: “O Brasil abandonou a sua equidistância e passou a fazer um jogo exclusivamente ligado a Israel, o que é um erro”, diz Azambuja, que se declara “imensamente favorável a uma relação densa e produtiva entre Brasil e Israel, sobretudo na área de ciência, tecnologia e agricultura, em que o país tem muito a nos oferecer.” E continua: “A visita de um presidente brasileiro a Israel, se fosse feita dias depois das eleições lá, seria uma boa ideia. O grande erro foi fazer a visita às vésperas de uma eleição israelense conflitiva e complicada, com um candidato muito acusado pela justiça de certas atitudes”. A visita de Bolsonaro, neste momento, envolveu o Brasil “no jogo interno político israelense, o que é errado. A visita seria valiosa se fosse feita com um novo governo ou com este governo reeleito, mas não agora, com uma carga ideológica excessiva”. Ao visitar Israel neste momento, Bolsonaro indica que deixou de lado sua equidistância na região: “o Brasil tinha uma atitude que me parecia sábia em relação a Israel: era a defesa do direito de Israel de existir dentro de fronteiras seguras, o reconhecimento de um direito do povo palestino de existir e ter um território, e a necessidade da sociedade internacional de arbitrar este conflito e encontrar um ponto de concordância para palestinos e israelenses.”
Ele reconhece, e condena, a “carga ideológica excessiva” da diplomacia brasileira sob Bolsonaro, e a vê com preocupação: “desconfio da coisa feita sem levar em conta o peso da tradição, do hábito, do que já foi feito e provado como correto. Tenho medo da inovação que não é acompanhada de uma grande reflexão, que é apenas uma impulsividade momentânea”. Para ele, a abertura de um escritório de negócios brasileiros em Jerusalém, anunciada por Bolsonaro, é um “meio caminho”, sem “peso diplomático” mas de significado simbólico. Jerusalém, diz, fica a cerca 60 km de Tel Aviv, uma distância que pode ser feita de bicicleta. “Uma repartição separada em Jerusalém é desnecessária pela própria proximidade entre as duas cidades. Você vai de uma cidade a outra em pouco mais de meia hora. O gesto é mais importante do que a realidade. Nós não assumimos uma embaixada lá, graças a Deus, porque teria sido um desastre com os países islâmicos e os países árabes”, e com o mundo islâmico.
“Existe uma coisa que eu, como velho profissional da diplomacia, não amo. É a gratuidade, a coisa feita sem que haja contrapartidas e equilíbrio, negociações. Este escritório é apenas um gesto de adesão a um regime que me parece, no momento, fragilizado, como é o governo de Israel com Netanyahu no poder”. Nesse sentido, diz, o “Brasil saiu de uma posição segura, que ninguém estava nos cobrando mais, em que já tínhamos bons negócios com Israel, com os árabes, com os islâmicos, com todo mundo. E agora o embaixador da Palestina pode até ir embora por uns tempos para consulta”.
O anúncio do escritório em Jerusalém não é, diz, aquilo que o núcleo mais forte da direita no governo Bolsonaro pretendia. “Não é uma derrota, mas não é o resultado que eles desejavam. O único país que reconhece Jerusalém como capital exclusiva do Estado de Israel são os EUA. O outro país que fez isso foi a Guatemala, ninguém mais”. Os demais países do mundo “mantém a mesma atitude em relação a Jerusalém, que é uma cidade tão importante e complicada. Ela é sede dos três grandes monoteísmos: não é só sagrada para judeus, é para os cristãos e para os muçulmanos. É da mesquita dourada que Maomé voa para os céus, é ali que Cristo morre, é ali que fica o Templo de Davi”. Não se faz “qualquer coisa em Jerusalém sem uma imensa reflexão e prudência. Nesse momento, o escritório significa, para Netanyahu, uma validação de certas políticas que os palestinos veem como discriminatórias e tendenciosas. Foi um ato que não era necessário”. Da mesma forma como foi desnecessária a visita de Bolsonaro, em companha de Netanyahu, ao Muro das Lamentações. “O Brasil tem uma posição tradicional antiga de ser um Estado secular, laico, tolerante e favorável a todas as religiões. Nestas circunstâncias, o próprio espaço da visita é contestado. O muro é o que sobrou do Templo de Davi, e ele fica ao lado da mesquita dourada, o Domo da Rocha, que é de onde Maomé subiu aos céus. Tudo ali é carregado de tensão. As proximidades são muito grandes. Acho que fazer um gesto particular de religiosidade com o muro, de forma natural, é aceitável. Mas ir com um chefe de Estado? É como se você quisesse transformar uma relação desvinculada de conflitos e de problemas em uma relação tendenciosa. Não é o muro, não é o ato de reverência religiosa”. Ele lembra que o “que se faz em Jerusalém tem um peso político muito grande”, e aquela visita ao Muro das Lamentações teria beneficiado sobretudo a Netanyahu. Ele “sabe que, além da importância que o Brasil tem, é um país que influencia outros. Somos vistos no mundo como uma espécie de sociedade multirracial e multicultural, e um gesto brasileiro tem um valor importante. Netanyahu é um grande político. Ele está indo para a sua quinta reeleição em um sistema parlamentarista disputado, e isso mostra o talento que ele tem como político. Creio que, para ele, a visita tem um ganho líquido: ele não perde nada com isso, apenas ganha”. Com esse gesto desacompanhado, sem que tenha havido “uma visita a Belém, à Igreja da Natividade, a Ramallah, o Brasil abandonou a sua equidistância e passou a fazer um jogo exclusivamente ligado a Israel. Antigamente, quando você ia a Israel, sempre era feita uma visita às cidades do lado palestino para sinalizar que você estava atento à complexidade da situação. Agora não. Foi um ato exclusivo de adesão as teses israelenses”.
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