Pesquisa feita pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela a degradação da economia nacional. O nível de ociosidade da força de trabalho brasileira atinge 50%, o que significa um desperdício inédito de forças produtivas e depressão do potencial produtivo. São mais de 50 milhões de brasileiras e brasileiros com capacidade de produzir mas sem acesso ao emprego, ou seja, involuntariamente desempregados.
A taxa oficial de desemprego, traduzida na estatística do IBGE, não reflete toda realidade. Isto não se dá por manipulação, mas em função da metodologia do instituto. O índice de “desemprego aberto” leva em conta apenas os que procuraram emprego nos últimos 30 dias a contar da data em que a pesquisa é feita. Não incluem, por exemplo, os desalentados, mais de 5 milhões no trimestre terminado em abril que desistiram de ir atrás de emprego. Além disto, estima a média dos três últimos meses, ignorando – no caso – os impactos mais fortes da crise sanitária em abril.
Entre fevereiro e abril, 8,9 milhões ficaram sem trabalho, em grande medida por conta da pandemia. Mas ela não é a única causa. O problema já era sensível antes e resulta principalmente da política de restauração neoliberal inaugurada pelo golpe de 2016 e exacerbada pelo atual governo, com destaque para o congelamento dos investimentos públicos.
Do ponto de vista da economia política é a prova do esgarçamento da contradição apontada por Karl Marx entre as relações de produção (que, no caso, podemos designar de neoliberais) e a necessidade de crescimento das forças produtivas. Do ponto de vista social é uma tragédia revoltante para dezenas de milhões de famílias.
Leia abaixo reportagem do jornal O globo sobre os dados estudados pelo pesquisador do Ipea:
O tombo no mercado de trabalho em abril alcançou patamar inédito e foi maior do que o indicado pelos números mais recentes. Cruzamento exclusivo feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, pela primeira vez desde que começou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, em 2012, mais da metade da população em idade de trabalhar está sem ocupação.
— Uma realidade mais preocupante do que a sugerida pelo IBGE e pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério da Economia, que registra admissões e demissões com carteira assinada). É a primeira vez em que menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada: 48,8% na segunda quinzena de março e 48,5% no mês de abril — afirma Hecksher.
A crise sanitária — que obrigou a economia a parar para conter o avanço do coronavírus — mudou a forma com que se acompanha o mercado de trabalho. A taxa de desemprego, a mais observada em situações normais, não consegue retratar com precisão a dimensão da destruição de vagas. A taxa passou de 11,2% no trimestre encerrado em janeiro para 12,5% em abril.
A dificuldade de retratar o mercado de trabalho neste momento é resultado de dois fatores. Quem perdeu o emprego ainda não voltou a procurar por causa da pandemia, portanto, não é tecnicamente incluído no universo de desempregados. Além disso, o IBGE calcula a taxa com base em informações trimestrais agregadas, neste caso, do período de fevereiro a abril. Assim, a conta considera um mês e meio em que a pandemia ainda não tinha começado. Segundo Hecksher, dessa forma, os dados já divulgados não isolam os efeitos da quarentena, iniciada em meados de março.
Retrato da quarentena
Em outro sinal da dificuldade para mensurar o impacto da crise, muitas empresas que informam suas demissões ao governo por meio do e-Social deixaram de prestar contas no período, segundo Hecksher.
O pesquisador recorreu ao chamado nível de ocupação: a parcela da população em idade de trabalhar (de 14 anos ou mais) que está inserida de alguma forma no mercado. E esse índice caiu de 54,3% em fevereiro para 48,5% em abril, período marcado pelo isolamento social dos que podem ficar em casa. Significa dizer que 51,5% da população em idade ativa estavam sem trabalho.
—Isso não significa que a abertura deva ser apressada, pelo contrário. A Nova Zelândia é um sucesso de mitigação de mortes e perdas econômicas porque promoveu um isolamento muito mais rigoroso e controlado até o momento certo. As autoridades podem orientar bem ou mal, mas é a população que decide o grau de isolamento e seus resultados sanitários e econômicos. O Brasil tem perdido mais vidas a cada semana do que a Índia perdeu desde o início da pandemia. Quem puder, deve permanecer em casa — diz Hecksher.
Para mensurar o impacto da pandemia, Hecksher desenvolveu um método para desagregar os dados de cada mês a partir das informações trimestrais do IBGE. Ele trabalhou com um universo de entrevistados menor, mas que chega a 75 mil pessoas por mês. A partir da amostra, identificou especificamente o movimento do mercado a partir do início do isolamento social dos que podem ficar em casa:
— É uma amostra robusta para identificar o movimento no mercado.
Entre fevereiro e abril, 8,9 milhões ficaram sem trabalho, com impacto forte também entre os que tinham emprego formal. Foram cortadas 2,9 milhões de vagas com carteira assinada, quando se observa a Pnad, no mesmo período.
— De fato, esse choque tem sido muito forte. O nível de ocupação é uma variável que, historicamente, não sofre grandes flutuações. Essa variação muito rápida tem chamado atenção particularmente. É uma evidência do quanto esse choque é muito forte e afeta todo mundo — avalia Thiago Xavier, economista da Consultoria Tendências.
O vendedor Jonathan Rodrigues, que mora na comunidade da Rocinha, em São Conrado, Zona Sul do Rio, trabalhava há dois anos em uma loja de alfaiataria. Ele e outros funcionários ficaram em férias coletivas entre 20 de março e 20 de abril. Passado esse período, acabou sendo dispensado. Rodrigues conseguia ganhar até R$ 1.300 na loja e deu entrada no seguro-desemprego, para receber R$1.180:
— Gastava uns R$ 600 no cartão de crédito, mas como não sei quando vou conseguir outro emprego, estou gastando menos. Precisei fazer cortes para não correr o risco de entrar no vermelho. Cortei carne e bebidas alcoólicas.
Mas ele tem esperança. Acredita que possa se empregar ainda este ano:
— A minha área é muito volátil. Começa a aquecer mais para o fim do ano. Pode demorar um pouco, porque a gente não sabe como vai ficar a economia com o coronavírus, mas eu espero que o comércio se reaqueça e as empresas voltem a contratar.
Marcas profundas
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, as empresas ainda vão demorar a voltar a contratar. A mudança estrutural no mercado de trabalho vai ser de “difícil reversão” e torna a retomada da economia ainda mais lenta:
— Corremos o risco de ter uma onda da pandemia estendida no Brasil, não uma segunda onda, que pode perdurar o ano inteiro. A situação vai continuar piorando, com as empresas com mais dificuldade, em recuperação judicial ou em falência.
O economista prevê queda de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano e, para o próximo, de 2%. Taxa longe de recuperar as perdas com a crise, em uma economia que ainda não tinha conseguido retomar o nível de antes da recessão de 2015 e 2016.
— Já vinhamos de uma retomada lenta historicamente. Vamos discutir os efeitos por bastante tempo, que serão cada vez mais permanentes — alerta Xavier, da Tendências.
Fonte: Portal CTB – Rovena Rosa/Agência Brasil – 15/06/2020
Leave a Reply