Mais de 4 milhões de jovens com ensino superior não têm emprego com direitos

A precarização das regras trabalhistas e a falta de investimentos públicos na geração de empregos com carteira assinada têm levado milhões de graduados, jovens com formação universitária, a trabalharem por conta própria, regularizadas como PJs (Pessoas Jurídicas). São o que a imprensa tradicional chama de ‘empreendedores’. Outros  simplesmente se viram nos chamados “bicos”. Em ambos os casos, sem nenhuma proteção social e previdenciária.

No Brasil, o contingente de jovens se virando para conseguir uma renda, por mínima que seja, chegou a 4,03 milhões, um recorde histórico no período de julho a setembro desde 2015.

Do total de ‘empreendedores’, 2,1 milhões são mais precarizados ainda, pois não têm nem o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) – um aumento de 14,1%; 1,93 milhão (+37,2%) têm empresa regularizada na Receita Federal.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Continua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao terceiro trimestre de 2021 (julho-agosto-setembro) comparados ao mesmo período de 2019. E foram compilados pela pesquisadora Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

A soma de baixo crescimento, chegando a uma recessão, com perdas na renda do trabalhador acabaram desfavorecendo fortemente o emprego, analisa o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Segundo ele, a economia fraca desde o governo do golpista Michel Temer (MDB-SP) deixou quase 80% dos trabalhadores com emprego precário, sem proteção social e com baixos salários. Isso acabaria atingindo também a longo prazo os com maior qualificação profissional e educacional.

“Se somarmos o desemprego com a baixa na renda, não tem motivos para as indústrias produzirem mais por que não tem quem compre”, diz Clemente.

O sociólogo reforça ainda que o problema é estrutural causado pelos governos Temer e Jair Bolsonaro (PL) que não investiram dinheiro público para reaquecer a economia, ao contrário, se fixaram no Teto de Gastos Públicos que congelou os investimentos por 20 anos.

“O Brasil tem o pior nível de investimento público da sua história recente, apenas 15% do Produto Interno Bruto [PIB] quando nos governos Lula e Dilma chegamos a 21%”, afirma Clemente.

“Para piorar, o atual governo não tem articulação com empresários para realizar investimentos e retomar a indústria nacional. Ao contrário dos governos da Europa, EUA e China que estão investindo para diminuir o desemprego, aqui há uma obsessão de Paulo Guedes [ministro da Economia] em privatizar, achando que o mercado privado vai investir”, critica.

O resultado da falta de investimentos públicos no mundo do trabalho é desemprego alto e geração de postos precários- Clemente Ganz Lucio

Segundo ele, a Europa está investindo R$ 800 bilhões de euros, e na medida que esse dinheiro é investido em obras aumenta a demanda por ferro, cimento e mão de obra, animando a economia, mas o Brasil não está fazendo isso.

“Sem obras você não tem demanda de crescimento para engenheiros e pessoal administrativo e da limpeza, por exemplo. Se o dinheiro não chega a essas pessoas, elas não vão consumir e não há mercado privado no mundo que vá aumentar a produção se não tem quem compre, sequer um par de sapatos novos”, explilca Clemente.

Falta de ações do governo Bolsonaro na Pandemia, piorou quadro

Em quase dois anos de pandemia houve um acréscimo de 259 mil trabalhadores no grupo dos conta-própria sem registro e sem direitos, que foram fazer bicos.

Segundo a pesquisadora, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, também houve um aumento considerável dentro do grupo com ensino superior.

Em 2019, os graduados que trabalham por conta própria eram 9,5% do total de autônomos sem registro, enquanto os com CNPJ representavam 28,6% dos formalizados. Em 2021, eles correspondiam a 11% e 30,9%, respectivamente.

Para Clemente, o contexto que já era de adversidade mais a pandemia, muito mal gerida pelo governo Bolsonaro, que só trabalhou contra as vacinas, retardando a volta à normalidade, só agravou a crise econômica.

“A tragédia só não foi maior porque conseguimos aprovar no Congresso Nacional, o Auxílio Emergencial de R$ 600 e normas de proteção ao emprego. O desempenho no primeiro ano do governo Bolsonaro na economia já tinha sido medíocre e o seu negacionismo só piorou a crise do desemprego”, diz o sociólogo.

Ano eleitoral traz alívio provisório

Clemente acredita que a tendência do governo Bolsonaro neste ano de eleições presidencial e legislativa será o de soltar ainda mais recursos de emendas aos parlamentares da sua base aliada. Isto pode aliviar provisoriamente o problema de algumas pessoas que devem ganhar um pouco mais com horas extras ou empregos temporários, mas não gera uma dinâmica virtuosa do emprego a curto prazo.

“Esses bilhões em verbas vão para obras da base dos parlamentares, mas os investimentos são desarticulados, sem um vetor que puxe a economia. Por isso, não vejo perspectiva de ter uma dinâmica consistente de crescimento, embora o Brasil tenha condições de crescer, mas não se faz uma estrutura dinâmica na economia, da noite pro dia e, por isso não dá pra esperar coisa que não existe”, conclui Clemente.

 

Fonte:  Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz – CUT / Foto: José Cruz – Agência Brasil – 23/02/2022