No auge da pandemia, em 2020, as empresas brasileiras demitiram 825,3 mil trabalhadores formais. Deste total 593,6 mil postos de trabalho eram ocupados por mulheres. Ou seja, dos postos fechados, 71,9% eram ocupados por trabalhadoras, muitas delas mães solo, chefes de família.
Entre 2019 e 2020, o número de trabalhadoras ocupadas caiu 2,9%, de 20,7 milhões para 20,1 milhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esses números não surpreendem quem passa por essa situação de desemprego muito menos quem estuda o mundo do trabalho. Em todas as crises econômicas as mullheres são as primeiras a serem demitidas e as últimas a conseguirem uma recolocação no mercado de trabalho. E a saída para elas é fazer bicos para sustentar a si e a família.
Este é o caso de Julia Margarida Gomes da Silva, de 38 anos, divorciada, mãe de três filhos e recém-formada em técnica de enfermagem. Enquanto procura um emprego formal, que garanta direitos como férias, 13º salários e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ela tem sobrevivido com empregos temporários, substituições em folgas, enfim, fazendo um pouco de tudo.
“Já fiz bordados, fui cuidadora de idoso e faxineira, tudo para colocar o arroz na panela pros meus filhos”, conta Júlia, que só teve emprego com carteira assinada como auxiliar de serviços gerais, vendedora de loja de roupas e cozinheira.
Segundo ela, quem ajuda a pagar as contas são a sua mãe e o padrasto, ambos aposentados, porque a pensão das suas duas filhas, de 16 e 14 anos, é de R$ 1.300 e o valor do aluguel é R$ 900. O pai do seu caçula, de sete anos, não assumiu o filho e foi morar no exterior, e ela diz que não tem como encontrá-lo.
“Eu nunca fui incentivada a estudar pelo meu ex-marido, apesar dele ser professor. Antes eu trabalhava na delegacia do trabalho em Belém, mas depois da licença maternidade e da transferência dele para o interior do Pará, a desculpa de sempre era que eu tinha de cuidar dos filhos. Me casei aos 19 anos e somente quando me divorciei voltei a estudar, e para isso sai do Pará e vim para São Paulo há nove anos”, conta.
A luta de Júlia é o retrato de um problema estrutural e histórico. As mulheres, mesmo em ciclos econômicos mais expansivos são as menos procuradas para ocupar vagas de trabalho, afirma a economista e pesquisadora do mercado de trabalho, Marilane Teixeira.
“São vários os fatores, a começar pela a ausência do Estado e da garantia de políticas públicas como creches e ensino integral. Somente no ano passado, 70% das crianças mais pobres, de zero a três anos, estavam sem vagas em creches. Isso é um problema gigantesco para as mulheres que precisam trabalhar”, diz a economista.
Outra dificuldade comum entre as mulheres que precisam deixar seus filhos em creche, é que elas procuram trabalho perto de suas casas para dar tempo de levar e buscar seus filhos em horários compatíveis com sua carga horária.
Segundo Marilane Teixeira, a pandemia reforçou essa situação de desemprego entre as mulheres com o aumento da sobrecarga de trabalho dentro de casa. São elas que normalmente cuidam dos enfermos, das crianças e dos idosos; uma situação que se agravou com o abandono da política de cuidados dos dois últimos governos.
Além desse problema estrutural, o tipo de emprego que vem se recuperando na economia acaba absorvendo o sexo masculino, como a construção civil, composta por 90,6% de homens. A alta no setor foi de 4,3% no contingente de assalariados (mais 80,8 mil).
As mulheres eram maioria nos setores de educação (66,9%); alojamento e alimentação (55,7%) e outras atividades de serviços (52,9%), os mais prejudicados pela pandemia. O segmento com a maior queda de assalariados foi alojamento e alimentação: -19,4% (ou menos 373,2 mil).
“Como as mulheres estão inseridas em atividades que ainda apresentam dificuldades em serem retomadas, como os serviços, a educação, e o trabalho doméstico, a tendência é a mulher ter mais dificuldade em se recolar no mercado”, afirma a economista.
“No auge da pandemia foram perdidas quase 1 milhão de vagas de trabalhos domésticos”, complementa Marilane.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, Juneia Batista, concorda que as mulheres encarregadas de cuidar dos filhos e pais idosos, imposição do modelo de sociedade patriarcal em que vivemos, são as mais prejudicadas.
“Veja o exemplo da Júlia, casou jovem, teve filhos e somente quando conseguiu se divorciar voltou a estudar e trabalhar. Milhares de mulheres vivem situação idêntica. Para mudar isso, é preciso políticas públicas que atendam as mulheres trabalhadoras”, diz Juneia.
A dirigente defende que o empoderamento feminino, se dará por meio da educação e da formação, com reflexos no mundo do trabalho.
“Eu acredito que a mudança do comportamento vem pela educação, pela formação, com igualdade de oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho”, finaliza Juneia Batista.
Outros dados da pesquisa do IBGE
– De 2019 para 2020, o número total de trabalhadores assalariados em empresas e outras organizações ativas caiu de 46,2 milhões para 45,4 milhões, (1,8% a menos).
– A participação feminina entre os assalariados das empresas formais do país caiu de 44,8% para 44,3%, em 2020. É a menor porcentagem desde 2016, ano em que houve o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
– Entre os homens, a redução de empregos foi menor, de 0,9%. O número de assalariados recuou de 25,5 milhões para 25,3 milhões. Isso significa que os homens perderam 231,7 mil postos, o equivalente a 28,1% de todas as vagas encerradas à época.
Fonte: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz – CUT / Foto: Roberto Parizotti – 27/06/2022