De 12 presidenciáveis, quatro defendem políticas de reforma agrária; conheça as propostas

Dos 12 candidatos à Presidência da República, somente quatro defendem a reforma agrária em seus programas de governo. São eles Sofia Manzano (PCB), Vera (PSTU), Leo Péricles (Unidade Popular) e Lula (PT).

Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL) defendem a regularização fundiária, que é a titulação aos proprietários de terras já identificados e cadastrados. Diferente é a reforma agrária, que é o processo de redistribuição de terras mesmo para quem ainda não é proprietário.

A emedebista fala em “promover a regularização fundiária, com certificação e documentação dos imóveis, sobretudo em áreas urbanas”. Já o pedetista fala em implementar “um amplo programa de regularização fundiária para garantir a escritura da casa e do terreno para quem hoje vive com medo do amanhã”. O programa do presidente Bolsonaro diz que serão ampliadas as ações já existentes de regularização “aliadas ao direito fundamental à legítima defesa e ao fortalecimento dos institutos legais que assegurem o acesso à arma de fogo aos cidadãos”.

Pablo Marçal (Pros), Roberto Jefferson (PTB), Soraya Thronicke (União Brasil), Constituinte Eymael (Democracia Cristã) e Felipe D’Avila (Novo) não citam reforma agrária nem regularização fundiária nos programas de governo.

O que os quatro candidatos defendem?

Sofia Manzano, do PCB, defende uma reforma agrária “sob o controle dos trabalhadores, com a imediata desapropriação sem indenização de todos os latifúndios improdutivos, das fazendas com trabalho escravo e as que não estejam cumprindo a função social conforme regulamenta a legislação”.

Na mesma linha, a candidata Vera Lúcia (PSTU) defende a “distribuição de terras aos sem-terra, sob controle dos trabalhadores”. Leo Péricles (Unidade Popular) também segue a mesma linha e defende o desenvolvimento de uma reforma agrária “sob a ótica de reparação da população negra”.

Por fim, o ex-presidente Lula defende a reforma agrária como uma das medidas para a criação de postos de trabalho e o alcance da soberania alimentar e nutricional.

Mas, afinal, o que é a reforma agrária?

Nas palavras de Paulo Alentejano, professor de Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Geografia Agrária (GeoAgrária), “reforma agrária é a redistribuição igualitária das terras em um determinado país com o objetivo de melhorar o aproveitamento produtivo da terra”.

Em linhas gerais, portanto, o objetivo é combater a ociosidade de grandes propriedades de terra. A consequência direta da reforma agrária é, nesse sentido, o aumento da produtividade da agricultura no país, uma vez que transforma terras ociosas em produtivas.

Soberania alimentar

Nos últimos anos, a área destinada à plantação de alimentos básicos para abastecer nosso mercado interno diminuiu, segundo o professor. O processo ocorre porque as áreas se tornaram improdutivas ou foram destinadas à plantação de commodities, como soja, celulose e carne bovina, que são vendidas no mercado internacional. A consequência desse processo, explica o pesquisador, é o aumento no preço dos alimentos, uma vez que os alimentos se tornam escassos e as commodities são comercializadas em dólar.

A reforma agrária, nesse sentido, se apresenta como uma alternativa. A redistribuição promove a divisão de grandes áreas em pequenos e médios lotes, o que dificulta a plantação de monocultura, que demanda espaços maiores, para o exterior e impulsiona a plantação de diferentes culturas, que podem ser comercializadas internamente.

No Brasil, 81% dos estabelecimentos agropecuários tinham até 50 hectares – equivalente a 500 mil metros quadrados –, em 2017, segundo o Atlas do Espaço Rural Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados daquele ano. Esses estabelecimentos ocupavam, porém, somente 12,8% da área total dos estabelecimentos agropecuários no Brasil. No outro extremo, somente 0,3% do número de estabelecimentos tinham mais de 2.500 hectares (25 milhões de metros quadrados), mas ocupavam 32,8% da área total dos estabelecimentos.

De forma complementar, os pequenos agricultores foram responsáveis pela produção de 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 50% da carne suína e 50% das aves, de acordo com o último censo agropecuário realizado pelo IBGE, em 2006.

Mesmo não tendo feito uma ampla reforma agrária em todo o âmbito nacional, o Estado já redistribuiu algumas terras ao longo dos últimos 30 anos. Uma dessas áreas é o Assentamento Eli Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no distrito de Lerroville, a 50 quilômetros de Londrina (PR).

Homologado em 19 de fevereiro de 2009, o assentamento hoje é a maior área de Reforma Agrária em região metropolitana do Brasil. São aproximadamente 7,5 mil hectares que foram redistribuídos de um único proprietário para 501 famílias, em torno de três mil moradores.

Redistribuído, o território é palco para a plantação de alimentos que são comercializados no Feirão da Reforma Agrária em Londrina, o segundo maior município do Paraná, e destinados às merendas das escolas estaduais e municipais, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que oferece alimentos da agricultura familiar nas escolas e ações de educação alimentar e nutricional aos estudantes.

“No mundo inteiro, isso [o abastecimento do mercado interno] se fez com reforma agrária. No Brasil, é fundamental que se faça também. Caso contrário, muita terra fica ociosa, sem utilidade ou utilizada para produzir para exportação, e não alimentos para a população, que é o que os pequenos agricultores fazem tradicionalmente, no Brasil e no mundo”, afirma Alentejano.

Geração de empregos

Nas palavras do pesquisador, a geração de empregos é outra consequência direta da reforma agrária, dado o aumento da produtividade. “Se você ocupa melhor as terras e as coloca efetivamente para produzir, você vai precisar de mão de obra”, afirma.

“Se os agricultores estão produzindo mais, vão gerar outros empregos em outras áreas ao demandar bens e serviços, como máquinas e ferramentas”, explica Alentejano. Por outro lado, “o produtor terá sua renda própria, gerando movimentação no comércio local. (…) Então, a geração de empregos e o aumento da arrecadação de impostos são outros aspectos que também contribuem para melhorar a situação do país”, diz.

“Vários estudos mostram que em torno de imensos latifúndios que foram redistribuídos em assentamentos rurais, houve a dinamização do comércio local e da atividade de serviços. É um movimento da economia local que vai gerando mais empregos, mais movimentação econômica, etc.”, afirma Alentejano.

Um desses estudos é a pesquisa Comercialização no agronegócio: um estudo sobre assentamentos da reforma agrária no contexto da economia solidária, publicada em 2018, que mostra que os principais mercados consumidores dos produtos dos assentamentos agrários “são o mercado/comércio municipal e o mercado/comércio local ou comunitário”.

O estudo descreve ainda que as variáveis do estudo se “alinham à ideia de fortalecimento do próprio grupo de assentados, inserção de produtos no contexto do agronegócio e promoção de bem-estar dos trabalhadores, reforçando os próprios valores e desígnios da reforma agrária”.

Industrialização

Além da dinamização do comércio local, um aspecto observado em países que implementaram a reforma agrária é a industrialização. Na Coreia do Sul, a implementação da reforma agrária depois da Segunda Guerra Mundial, em 1950, facilitou o processo de industrialização “exitoso” no país.

Miguel Carter, no livro Combatendo a desigualdade social: O MST e a reforma agrária no Brasil, escreve que, quando comparados Brasil e Coreia do Sul, “a economia brasileira teria crescido 17,2% a mais entre 1960 e 1985 se tivesse os níveis sul-coreanos de igualdade social. A disparidade de renda custou ao Brasil pelo menos 0,66% do crescimento anual do PIB. Profundos desequilíbrios sociais, portanto, reduzem a eficiência e o progresso econômicos”.

Na mesma linha, Alentejano afirma que “esse é um exemplo concreto de que quando você distribui melhor a renda, e distribuir a terra também é distribuir melhor a renda, você amplia o mercado consumidor. E, consequentemente, você amplia para as próprias indústrias. Este foi o modelo fundamental utilizado tanto no Japão [1946] quanto na Coreia do Sul, depois da Segunda Guerra Mundial, como base pra alavancar o seu desenvolvimento industrial”.

“Na medida em que os trabalhadores rurais, recebendo a terra e condições para produzir podem se transformar em consumidores de bens industriais. Meia dúzia de pessoas podem comprar seis geladeiras. Mas uma pessoa não vai comprar 300 geladeiras. Agora 300 pessoas com melhores de condições de vida podem comprar trezentas geladeiras”, afirma.

Não foram apenas Japão e Coreia do Sul que implementaram a reforma agrária ou outra política similar de distribuição de terras. “França, Itália [1950] e os Estados Unidos fizeram amplas reformas agrárias com estabelecimento, inclusive, de limite máximo para a propriedade da terra, para que os camponeses pudessem ter mais acesso à terra e ampliar a produção de alimentos, garantindo segurança alimentar para o conjunto da população desses países.”

“Os próprios Estados Unidos, no século 19, não tiveram exatamente uma reforma agrária, mas uma forma de ocupação na terra pautada pelo acesso via trabalho, por meio da Homestead Act [1862], que quem ocupasse a terra e produzisse lá tinha o direito da propriedade, com o limite estabelecido de quanto cada família poderia adquirir”, explica o professor.

Porque a reforma agrária é um tema distante no Brasil?

Historicamente o Brasil mantém uma posição distante em relação às possibilidades de implementar a reforma agrária no país.

Hoje, 241 deputados e 39 senadores, de um total de 513 e 81 parlamentares, respectivamente, fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária. A FPA, conhecida anteriormente como Frente Ampla Ruralista, tem como objetivo “estimular a ampliação de políticas públicas para o desenvolvimento do agronegócio nacional”. Na prática, a bancada acaba por dificultar políticas em prol da reforma agrária, como a desapropriação de terras.

Uma das senadoras que fazem da FPA é a senadora Soraya Thronicke, candidata à Presidência pelo União Brasil que, não coincidentemente, não cita reforma agrária em seu programa de governo.

Alentejano defende que se trata de uma elite que sempre esteve à frente da política e que se constituiu “a partir do monopólio da terra”. “A elite brasileira é herdeira desse processo, e como no período colonial terra era ao mesmo tempo poder econômico e poder político, isso configurou uma elite que se apega historicamente a essa imbricada lógica de exercício do poder político e exercício do poder econômico”, afirma.

O resultado isso é uma bancada ruralista com tamanho significativo no Congresso Nacional. “E aí se reproduziu isso historicamente. Se perpetua com desigualdade profunda da sociedade brasileira como resultado desse processo. Essas elites sempre bloquearam a reforma agrária no Brasil e continuam bloqueando até hoje com essa super-representação do Congresso Nacional e essa enorme influência que eles têm sobre todos os governos no Brasil”, conclui o professor.

Fonte:  Brasil de Fato – 31/08/2022